O Aviador


Sempre me revelei apreensivo em relação a esta obra de Martin Scorsese. Tinha sido acusada de tudo um pouco, mas sobretudo de ser pautada por momentos tremendamente aborrecidos. A minha experiência da filmografia de Scorsese não é vasta, mas ainda menos o era antes de assistir a "O Aviador". E foi assim, de forma relutante, que assisti a este passo de gigante na carreira de Martin Scorsese.

E é de forma muito entusiasta que afirmo nunca ter estado tão feliz por um filme não ter correspondido às minhas expectativas. "O Aviador" tinha tudo, absolutamente tudo para ser uma obra-prima. E é de facto uma obra-prima.

Constitui, arrisco-me a dizer, um dos momentos mais altos da carreira de Martin Scorsese, a oportunidade dada ao cineasta para finalmente demonstrar o seu amor pelo Cinema mas desta vez a uma escala maior do que nunca. O generoso orçamento permitiu a Martin Scorsese rodear-se de qualidade por todos os lados e dirigi-la com uma paixão e uma dedicação estonteantes, não só pela 7.ª Arte, mas também pela fascinante figura de Howard Hughes.

Creio, honestamente, que a primeira e principal questão que deve ser feita a respeito deste filme é: Como é possível não gostar de "O Aviador"?
"O Aviador" é uma das obras mais completas e abrangentes que já tive o prazer de ver, experimentando géneros tão distintos como a acção, a aventura, o romance, o suspense, alguma comédia e tudo com muita, muita intensidade e classe.

"O Aviador" transcende largamente o simples género do biopic, respira Cinema e emana classicismo em cada frama, graças à mestria de Martin Scorsese que filma "O Aviador" de forma fantástica e que prova o seu talento através de pequenas opções com consequências fenomenais.
Opções estas que se prendem com, por exemplo, a diferente fotografia utilizada durante o filme, de forma a demarcar visualmente certos eventos (neste caso, os anteriores a 1935), o acompanhamento simultâneo dos dois intervenientes de uma simples chamada telefónica e, claro, os intensos jogos de sombras que exploram o lado mais doentio de Hughes.
Um trabalho de mestre, de uma dedicação apaixonante e que deveria (mais uma vez...) ter sido premiado com o Óscar de Melhor Realizador.

A nível argumentativo, admito que possa não existir uma linha narrativa muito coerente. Mas tal factor não é um entrave à existência de uma história extremamente interessante sobre uma figura extremamente interessante.
Se já nos seus momentos mais descontraídos (como, por exemplo, aquele em que vemos Jude Law), "O Aviador" assegura o entretenimento, em cenas mais importantes (como o julgamento), o filme de Scorsese é simplesmente imperdível.
Recheado ainda de personagens marcantes e muito bem conhecidas do grande público, o escrito de "O Aviador", da autoria de John Logan (já nomeado anteriormente para o Óscar de Melhor Argumento Original por "Gladiador"-crítica aqui), trata cada uma destas personalidades como um capítulo na vida de Howard Hughes, atribuindo-lhes uma dimensão e uma profundidade magníficas e tornando-as assim, também elas, deliciosamente fascinantes.

Personalidades que são brilhantemente interpretadas por um elenco invejável, um conjunto de grandes actores com interpretações de grande calibre. Debruço-me, no entanto, principalmente sob o elenco secundário. Nomeadamente, o sempre bem e sempre discreto John C. Reilly que, agora sob a capa da discrição e contrariando o registo intenso de "Gangs de Nova Iorque" (crítica aqui), obtém novamente uma excelente interpretação. Outros membros merecem destaque, nomeadamente Ian Holm, Alan Alda (que não justificou a nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário), Kate Beckinsale (um poço de beleza e a encostar, nesta matéria, Cate Blanchett e Gwen Stefani a um canto), Alec Baldwin e sobretudo Adam Scott. Membros distintos de um brilhante grupo interpretativo, todos eles à altura do desafio.

Resta agora o casal protagonista, Leonardo DiCaprio e Cate Blanchett, e que interpretam Howard Hughes e Katherine Hephburn. Devo confessar-me ligeiramente desapontado com as performances de ambos os actores, que me parecem um pouco irregulares, com momentos altos e momentos... médios.
DiCaprio está bem no seu papel, mas apenas atinge um registo realmente impressionante na segunda parte do filme, mais concretamente nas já referidas cenas do isolamento e do julgamento. É uma excelente interpretação em alguns momentos, mas no cômputo geral fica-se pelo regular.
Blanchett parece demasiado caricatural para obter a credibilidade necessária como Hephburn, obtendo uma interpretção um pouco histérica em demasia e, por isso mesmo, algo risível. Talvez fosse propositado, mas não me agradou particularmente.

Uma palavra final para a banda-sonora, sempre fabulosa, sempre versátil e sempre do mesmo mestre: Howard Shore.

No final, tudo se resume ao mesmo: "Longo"? "Cansativo"? "Personalidade desinteressante"? Não devem ter visto o mesmo filme que eu. Como é possível não se gostar de "O Aviador"?


"It's the way of the future."



2 Eloquentes Intervenções Escritas:

Roberto Simões disse...

Gostei da crítica. E apesar de não concordar com tudo o que dizes, especialmente nas frases que teces a respeito da coerência do argumento e das assombrosas performances de DiCaprio e Blanchett, em muito me agrada que tenhas gostado assim tanto do filme. Porque é sem sombra de dúvidas uma obra-prima como há poucas! E, no entanto, subvalorizado por tantas pessoas...

Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD – A Estrada do Cinema

Rui Francisco Pereira disse...

Roberto,

Obrigado ;) Deu trabalho, mas gostei do resultado final.

Quanto aos pontos que referes, eu não quis exactamente dizer que o argumento foi incoerente.
Ou melhor... admito essa possiblidade, mas não é um impedimento à existência de uma série de episódios verdadeiramente fascinantes.

Quanto às interpretações, é o que leste!

De facto gostei muito do filme, quase tanto como tu. É uma verdadeira obra-prima.

Abraço!


Aproveito para recomendar a todos os leitores, e no mesmo âmbito de O Aviador, o filme Golpe Quase Perfeito, cuja crítica pode ser encontrada aqui.

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