Miami Vice


Michael Mann é um dos melhores realizadores da actualidade. Com discrição e atenção, Mann é um verdadeiro estudioso que foi desenvolvendo ao longo dos anos a sua apuradíssima técnica visual que torna qualquer filme seu um prodígio a este nível. Mas Michael Mann não se fica pela fruição artística, conciliando o seu talento com argumentos sólidos e produzindo assim alguns dos melhores filmes dos últimos anos. O exemplo mais recente (até ao ano de estreia de "Miami Vice") foi o brilhante "Colateral" (crítica aqui), que nos mostrou o lado mais negro de Tom Cruise. Mas em "Miami Vice", Mann espalha-se ao comprido. O embrulho é muito bonito e polido, como só Mann sabe fazer, mas o presente é verdadeiramente medíocre.

"Miami Vice" é um poço de coolness. Nas roupas, nos acessórios, nos visuais, no tom de voz, na forma de andar. Michael Mann filma de forma irrepreensível, com planos brilhantes que nos aproximam dos actores e desconstroem a noite com uma mestria inegável. Dá-nos ainda aqueles pormenores que valem por um filme, verdadeiros traços de humildade e humanismo que conquistam qualquer alma. Não há como o negar: atrás das câmaras, Michael Mann é um dos melhores da actualidade e a prová-lo estão inúmeras sequências: a noite passada por Sonny e Isabella ou a fabulosa, embora escusada, sequência inicial.

O problema é que Mann presume que é tão bom a realizar como é a escrever, algo que "Miami Vice" prova ser falso. O argumento é verdadeiramente fraco e tolhido de defeitos.
Para começar, existe um desequilíbrio incrível na incisão feita aos dois protagonistas. Colin Farrell é profundamente explorado e tem mesmo direito a uma relação amorosa metida a martelo. Já Jamie Foxx tem o pouco tempo que merece, não passando de um mero secundário que raramente aparece sem Farrell no mesmo plano.
Depois, temos diálogos tão sintéticos que até enjoam. Mann encurta ao máximo a quantidade e a duração das falas e prejudica-se muito mais do que se poderia pensar à partida, abatendo a credibilidade da história em várias vertentes. A relação entre os protagonistas, por exemplo, reduz-se a uma meia-dúzia de trocas de palavras breves e simples, que causam as mais diversas e indesejadas impressões no espectador (que Sonny e Ricardo não se suportam, não se conhecem, não têm confiança um com o outro, etc..).

Além disto, outros aspectos técnicos desiludem igualmente, sobretudo a sonoplastia, que torna a troca de tiros final verdadeiramente ridícula.
Salva-se a banda-sonora, um aspecto sempre em alta nos filmes de Mann.

O elenco também é demasiado inexperiente e de poucos créditos firmados para assegurar a estabilidade interpretativa que se pretendia. É certo que Jamie Foxx já tinha vencido um Óscar, mas tal não passou de um "acidente de percurso", já que o registo do actor em "Miami Vice" não foge às tendências medíocres que tem mostrado durante toda a sua carreira.
Colin Farrell está substancialmente melhor, mas o seu personagem não constitui um especial desafio para o actor irlandês. Do restante elenco, apenas John Ortiz é digno de destaque e afirma-se como o melhor elemento do conjunto.

Mas, tal como o inegável talento de Michael Mann, é impossível negar que "Miami Vice" é o seu pior filme.


"-You seem okay. But him, I don't like how he looks.
-Do you wanna fuck my partner or do you wanna do business with us?"

5 Eloquentes Intervenções Escritas:

Bruno Cunha disse...

Tenho de dizer que me desiludiu imenso...
Também acho esse coolness à volta do filme exagerado...

Abraço
Cinema as my World

ArmPauloFerreira disse...

É um dos muitos filmes que gosto bastante.
Talvez por ser um saudosista da série televisiva (a origem deste filme e que também era criação M.Mann), do qual o filme é um sucedâneo contemporâneo.
Todo o "coolness" que achais exagerado, é nada mais que uma herança da série, que era ainda mais cool e exagerada que este filme (fatos branquíssimos, supercars, etc e que provocou uma moda e abordagem nova ao estilo de policia infiltrado - o Bad Boys vem daí). neste filme Mann até reduzir o coolness para conferir mais realismo e noção de realidade á adpatação.

A personagem de Farrell é obviamente mais protagonista que o seu companheiro. Já o era na série Tv nos anos 80, onde a personagem era protagonizada pela mega-vedeta da altura Don Johnson (as mulheres suspiravam por ele loucamente -facto qu ironicamente no filme lhe presta estatuto ao dar-lhe o romance que culmina em belas paisagens marítimas num iate cortando a água, salvo erro, ao som de Moby).

No fundo, a essência dos dois protagonistas (o estilo, maneira de ser, comportamentos) está lá tudo só que á luz dos tempos actuais e num tom muito mais negro.
Dizeis que o filme é mau. É sim mais fraco que o "Colateral" mas quem nos dera que muitos filmes de verão fossem como este.

E não esquecer que Michael Mann, continuou com este a apurar o seu estilo de filmagem em digital, desta vez não só sob o manto nocturno mas também com uma abundante pelete de cores pastel. Ele já havia iniciado a mudança da sua técnica de filmagem no "Colateral" (que o criou muito nocturno como um projecto ou desafio ao digital - noise digital vs grão da pelicula), regressou com o "Miami Vice" (com mais elementos) e depois depurou a arte digital no "Inimigos Públicos".

Eu gosto muito do filme e quando posso e passa na TV lá está ele batidinho.



JB: Desta vez comento por não conseguir deixar passar as tuas reviews (que as vejo apesar de discordar grande parte delas -Jackie Brown, Watchemen Ult. Cut, Seven, Silence Of the lambs, etc). Entendo-te pois és também tu um contemporâneo de um ponto de cinema já ele muito depurado e com um avanço distante geracional. És de agora a ver o que está para trás com olhar já quase mutante com de inundações de informação.
Noutros tempos, certos aspectos tinham outro impacto que hoje já não é possível de perceber e entender sequer.
É como apreciar o Batman de Burton vs Batman de Nolan. O de Burton foi muito mais assombroso em níveis de genialidade na sua altura (é aliás o pai dos super-heróis modernos -quase um manual visual) do que o de Nolan não se fez sentir tanto nos dias de hoje. São épocas incomparáveis, que submetidas hoje em confronto não se podem fazer a merecida justiça.

Rui Francisco Pereira disse...

Bruno,

Fiquei desiludido sim, mas coolness nunca é de mais. ;)


Arm,

Agradeço, antes de mais, a habitual excelência do comentário.

Antes de mais, eu tento sempre analisar um filme como algo independente de factores externos.
O facto de nunca ter visto a série original contruibui largamente para isso mesmo.

E eu nunca disse que o coolness era exagerado. Ou melhor, até pode estar demasiado presente, mas, aos meus olhos, fica sempre muitíssimo bem.

Quanto ao protagonismo atribuídos aos actores, uma vez mais, não conheço a série pelo que não posso concordar ou discordar contigo. Apenas reconhecer o desiquilibrio existente.

Dizer que o filme é "mau", é algo de realtivo. Acho que Miami Vice nunca seria um filme verdeiramente mau.
Mas é certo que, a meu ver, quando comparado com qualquer outro título da filmografia de Mann, sai claramente a perder.

Talvez como "filme de verão", Miami Vice se vá safando ;)
E mesmo isso é relativo.

Concordo totalmente com o que diz respeito ao digital de Mann.

Essa nota final é que me deixou algo confuso...
Percebo o que dizes, especialmente no último parágrafo.

Mas o que queres dizer exactamente com "Desta vez comento por não conseguir deixar passar as tuas reviews".

Obrigado pela verdadeiramente Eloquente Intervenção Escrita!

Bruno, um abraço!

ArmPauloFerreira disse...

Pretendia que percebesses que á reviews que discordo de certa forma e por essa razão não cheguei a comentar. Mas do Miami Vice teria de prestar a minha posição sem falta.

Por exemplo o Jackie Brown é o filme menos Tarantinesco em certa medida mas onde ele procurou ser mais serio e colocar grandes actores ou elenco em situações diferentes do seu registo mais comum. Por ser mais polido em sátiras parece ser um fraco Tarantino.... mas não é. O Kill Bill foi intencionalmente mais pulp para ele voltar a ser mais reconhecido no seu estilo muito próprio (e um belo filme magistral em dose dupla).

Rui Francisco Pereira disse...

Arm,

Está muito bem, agradeço a informação.

De qualquer forma, gostava imenso que comentasses, pelo menos, aquelas críticas com que discordas :P

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