A falta de rumo de Martin Scorsese é apontada como sendo uma das principais debilidades deste "Gangs de Nova Iorque". Já eu, não só não lhe reconheço qualquer desiquilíbrio em termos narrativos, como creio que tudo é perfeitamente doseado e Scorsese tem tempo para tudo. Cria as bases da trama e apresenta-nos algumas das personagens mais marcantes de Five Points. Tudo está bem, tudo funciona na perfeição. Scorsese introduz-nos àquele mundo violento que pretende retratar, e fá-lo com leviandade e algum humor (só pequeníssimos apontamentos, não se trata, de todo, de uma comédia).
Mas é quando Martin Scorsese dá azo ao seu grande talento (e é aqui e só aqui que, a meu ver, Scorsese o mostra) que o cinéfilo se maravilha por completo. A sua realização é épica, majestosa e cuidada. Presenteia o espectador com maravilhosos pedaços do mais puro Cinema, já tipicamente seus, como as longas cenas (quem não se lembra do regresso de Amsterdam, após a sua tentativa de assassinar Bill "The Butcher", em que DiCaprio é filmado por trás enquanto caminha até ao centro de Five Points) ou as pequenas referências (a caixa de música, o olho de Day-Lewis). Um trabalho soberbo, que valeu a Martin Scorsese o Globo de Ouro para Melhor Realizador bem como a nomeação para o Óscar na mesma categoria.
Infelizmente, Scorsese continua a não ser capaz de transcender o seu principal obstáculo: as
cenas de violência. Se é certo que o fez muito bem, curiosamente, em "The Departed:Entre Inimigos", em "Gangs de Nova Iorque" fica-se pela mediania.O confronto inicial, por exemplo, embora acompanhado por uma tema musical tão alternativo quanto apelativo, deixa um pouco a desejar. Uma falha já por mim notada em outras obras, como "Taxi Driver", e que Scorsese dificilmente colmatará.
A produção mantém-se num patamar qualitativo semelhante, onde factores como o fantástico guarda-roupa, a indescritível fotografia (por vezes doseada-na perfeição-com algum CGI) ou a sensacional banda-sonora a cargo de Howard Shore (vénia encarpada a um dos maiores compositores do cinema actual). E não, não me esqueci da magnífica canção "The Hands That Built America", da autoria de uma das minhas bandas de eleição, e que podem ouvir na playlist disponível na barra lateral.
Mas é claro que os maiores elogios vão para o brilhante argumento, portador de uma das mais intensas e originais histórias que já vi. Recria-se em cada diálogo, sustenta-se em cada acção e, definitivamente, marca com qualquer personagem. Um escrito fenomenal.
E é sempre preciso o toque final, o toque de génio: o elenco. Para peça central da sua história, Scorsese recrutou Leonardo DiCaprio que, finalmente, se afirma como um verdadeiro actor. E em tudo o deve a Martin Scorsese. Ou melhor, quase tudo. O elenco secundário, que conta com nomes como o oscarizado Jim Broadbent, o desaparecido Henry Thomas, o irreconhecível John C. Reilly, o subvalorizado Brendan Gleeson ou o malogrado Liam Neeson, ajuda.
Apenas Cameron Diaz deixa ficar mal os seus colegas, com uma performance tão fraca, oca e superficial, que prova que só serve mesmo para comédias românticas.
Com um elenco de tal calibre, apenas um grande actor com uma prestação bigger than live, o poderia ofuscar. E é precisamente o que faz Daniel Day-Lewis que tem, provavelmente, a melhor interpretação que já tive o prazer de ver. Tão grande que não me atrevo a tecer elogios, sob pena de ser demasiado redutor.
Não vi o trabalho de Adrien Brody em "O Pianista", pelo que não posso afirmar se a sua vitória foi, ou não, injusta. Mas posso, com toda a certeza, afirmar que Daniel Day-Lewis bate Jack Nicholson (também nomeado para o Óscar de Melhor Actor no presente ano, por "As Confissões de Schmidt"(crítica aqui)), que tem uma excelente interpretação, aos pontos.
Nunca compreenderei porque razão "Gangs de Nova Iorque" não teve o reconhecimento que merecia.
Mas, afinal de contas, é disso que se trata: a nossa compreensão do Cinema.
Quanto a mim, compreendo perfeitamente: "Gangs de Nova Iorque" é uma obra-prima e o melhor filme de Martin Scorsese.
-Yes! You!"
6 Eloquentes Intervenções Escritas:
Gostei da análise. O filme é bom - começa muito bem, perde-se no meio, acaba magistralmente. A fotografia, interpretações (menos a de Diaz) e banda sonora são belas. Mas o desequilíbrio e ambição da narrativa perdem por completo a película, muito infelizmente.
Abraços
É sem dúvida um excelnte filme de Scorsese, mas não o melhor.
A interpretação de Day-Lewis é bastante boa, mas percebo a escolha da Academia por Brody, já que ele carrega "O Pianista" ás costas.
Mas mesmo assim foi uma injustiça não ter ganho um Óscar sequer na cerimónia desse ano.
Abraço
Concordo com muitos pontos da tua crítica...
A sequência inicial é boa mas a sequência final é espectacular!!!
Day-Lewis espantoso como sempre!
Abraço
Cinema as my World
Em si e por si, Gangs de Nova Iorque constitui um autêntico colosso, com uma abertura e um desfecho verdadeiramente memoráveis e geniais e onde a personalidade colectiva de uma identidade por definir tende a assumir, ao longo de todo o filme, o protagonismo.
Esteticamente requintado. 5*
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Scorcese tem muitos e excelentes filmes, e este Gangs Of NY é mesmo muito bom e agradável de seguir durante todo o filme. E caramba que até a Cameron Diaz se superou neste filme.
Dos muitos filmes dele o que mais me deixa incomodado foi o The Departed, galardoado como foi sem justificação pela Academia (que perante o original é um pálido remake)
Flávio,
Eu conheço bem a tua opinião. Como viste, não posso concordar a não ser em relação a Diaz.
E obrigado pela força, deu trabalho a crítica :P
Alex,
Dos que vi (que não foram muitos, mas são emblemáticos) é o meu preferido de longe.
Day-Lewis está magistral, mas como disse, não me posso pronunciar.
Nekas,
Ainda bem, assim é que eu gosto :P
Não gostei da sequência inicial, mas aquele final é dos melhores que já vi.
Day-Lewis é gigante!
Roberto,
De acordo, como sabes.
Mas Roberto: É UMA OBRA-PRIMA! :D
Arm,
Não lhe chamaria agradável :P
A Cameron Diaz achei-a péssima, deixou ficar mal todo o elenco. Longe vão os tempos de Um Domingo Qualquer (a sua única boa interpretação).
Não vi o Internal Affairs, mas o The Departed é um caso óbvio de sobrevalorização. Ter vencido Babel é inconcebível.
Abraços e obrigado pelos comentários!
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